Posso usar escalas, testes e questionários para o diagnóstico de transtornos mentais?
Posso usar os testes/escalas/questionários/etc para diagnóstico? Pergunta difícil que pode ter uma resposta bem simples e objetiva ou outra mais longa e complexa. Por: Jonas Jardim de Paula1
Desde que comecei a trabalhar com avaliação psicológica e avaliação neuropsicológica participo de uma das maiores polêmicas do campo: posso usar os testes/escalas/questionários/etc para diagnóstico? Pergunta difícil que pode ter uma resposta bem simples e objetiva ou outra mais longa e complexa.
A resposta curta e objetiva: não. O diagnóstico em saúde mental é um procedimento clínico, realizado com base na história do seu paciente, suas queixas e sintomas atuais, o grau de comprometimento funcional que apresenta e uma série de critérios de exclusão. Todos os transtornos são organizados em torno deste eixo (sintoma-curso clínico-comprometimento-diagnósticos de exclusão), desde os transtornos do neurodesenvolvimento até os transtornos neurocognitivos. O tipo de diagnóstico mais comum em saúde mental, e aquele preconizado em manuais como a CID e o DSM, é o diagnóstico fenomenológico. Nele, o foco encontra-se nas características e manifestações clínicas do paciente, que quando se estruturam em um certo padrão recebem um nome específico (o diagnóstico). Estes manuais raramente trabalham com a causa dos transtornos mentais, basicamente por não conhecermos o suficiente sobre esta área para criar modelos etiológicos (salvo raras exceções, como alguns transtornos cognitivos ou os transtornos mentais devido a uma condição médica). Então não podemos utilizar os testes/escalas... para diagnóstico, basicamente por não contemplarem todas as informações necessárias ao processo.
Agora a resposta longa e complexa: em parte. Como discutido acima o diagnóstico de um transtorno mental envolve a documentação de um sintoma. Esse sintoma é, em geral, muito intenso, frequente ou expressivo, radicalmente diferente do que esperamos encontrar na maior parte das pessoas. Neste sentido a maior parte dos sintomas em saúde mental é de natureza dimensional, ou seja, não são interpretados como “presente ou ausente” e sim como “mais intenso ou menos intenso” ou “mais frequente ou menos frequente” quando comparado à população geral. Todos nós temos momentos em que ficamos mais animados, excitados ou cheios de energia, mas pouquíssimas pessoas experenciam isso de forma tão intensa a ponto de caracterizar mania. Mesmo sintomas classicamente associados à psicopatologia ocorrem rotineiramente na maioria das pessoas. Pensem nas alucinações. Uma alucinação é uma nítida experiência sensorial que não encontra um correlato direto na experiência ambiental. Mas... você já teve a nítida sensação do telefone vibrando em seu bolso, quando na verdade não havia notificação nenhuma? Provavelmente foi uma alucinação. Nem por isso você apresenta alucinações intensas, perturbadoras ou frequentes como aquelas encontradas nas psicoses.
Metodologicamente os sintomas não são variáveis qualitativas mas sim quantitativas. Aí entram os testes/escalas... para o diagnóstico. Embora eles não sejam suficientes para o diagnóstico clínico os mesmos permitem que você documento o quão intenso ou frequente um sintoma é. Transtornos mentais usualmente apresentam sintomas muito mais intensos, frequentes e disfuncionais, o que se reflete um resultado atípico em um instrumento de avaliação psicológica/neuropsicológica. Eles podem ser usados então para documentar o critério diagnóstico relacionado à presença dos sintomas, desde que o construto avaliado pelo teste documente de fato o critério (exemplo, um teste de atenção sustentada não documenta os sintomas de desatenção do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Mesmo que documente, ainda assim devem ser bem investigados o curso clínico, prejuízo funcional e os diagnósticos de exclusão para de concluir o diagnóstico.
Em síntese, lembre-se que o diagnóstico em saúde mental é clínico. Os testes/escalas... podem contudo ajudar a documentar a intensidade/frequência dos sintomas do paciente, auxiliando o processo diagnóstico.
1- Jonas Jardim de Paula. Psicólogo, mestre em neurociências (UFMG) e doutor em medicina (UFMG). Pós-doutorado no Laboratório de Neurociências da Faculdade de Medicina da UFMG.