Princípios para a Reabilitação Neuropsicológica das Funções Executivas

Por: Vinícius Figueiredo de Oliveira

Psicólogo, mestre pelo programa de pós-graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisador pelo Laboratório de Psicologia Médica e Neuropsicologia (LAPSIMN - UFMG), professor de psicologia da Faculdade Presbiteriana Gammon.


A literatura científica aponta que tanto condições psicopatológicas quanto danos neurológicos podem estar relacionados a comprometimentos nos processos chamados de funções executivas (FE). Transtornos dos mais diversos, como transtorno bipolar, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno do espectro autista, síndrome de tourette, dentre outros, são marcados frequentemente pela presença de prejuízos executivos, o que caracteriza tais déficits como um fator transdiagnóstico. Além disso, os circuitos frontais do cérebro, relacionados às funções executivas, são especialmente suscetíveis a lesões devido a traumatismo craniano, a acidente vascular cerebral (AVC), e doenças neurológicas ou neurodegenerativas.

O impacto que os prejuízos em funções executivas pode causar para o paciente fica evidente quando leva-se em conta o funcionamento das FE. Apesar de não haver uma única definição de FE, geralmente elas são descritas como um conjunto de habilidades interrelacionadas que embasa a capacidade de direcionar o comportamento a objetivos, traçar planos para atingir metas, monitorar avanços, resistir a comportamentos menos eficientes e modificar o comportamento de acordo com mudanças ou exigências do ambiente. O modelo de Diamond (2013) contempla 3 funções nucleares: a memória de trabalho, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva. Resumidamente, a memória de trabalho trata-se da capacidade de reter e manipular informações temporariamente; o controle inibitório se refere à função que permite a contenção de um comportamento automático ou de um comportamento em curso, assim como embasa a inibição de estímulos irrelevantes para a execução de uma tarefa; a flexibilidade cognitiva está subjacente às mudanças de comportamento em decorrência de alterações de regras ou de estímulos no ambiente. Essas 3 funções habilitam as FE desfecho, que englobam o planejamento, a resolução de problemas e a tomada de decisão.

Tendo em vista as capacidades sustentadas pelas FE, observa-se que prejuízos nesses processos podem acarretar em sintomas significativos para os pacientes, tais como, impulsividade, problemas na tomada de decisão, limitação para iniciação de tarefas, gestão do tempo ou da vida financeira, dificuldades na execução de atividades para as quais não há um repertório automatizado. Ressalta-se que o prejuízo específico do paciente variará a depender da etiologia do problema, da história de vida do paciente, das funções comprometidas, do suporte familiar e profissional que ele recebe, dentre outros fatores.

Consequentemente, a constatação de que um paciente apresenta limitações nas FE indica a necessidade de alguma intervenção que aumente as chances de um melhor prognóstico. É neste ponto que entra a reabilitação neuropsicológica, visto que se trata de um procedimento que visa recuperar ou adaptar a funcionalidade dos pacientes que sofrem de alguma condição psiquiátrica ou neurológica. Para que seja efetiva, a reabilitação deve contar com um profissional ou uma equipe de profissionais da área da saúde, com familiares ou cuidador, e com o meio social do paciente (escola, empresa, amigos, etc).

A reabilitação pode ser dividida em 2 princípios básicos, a depender da estratégia empregada. O primeiro é a estimulação, que consiste no treinamento das funções em déficit para que possam ser mais eficientemente recrutadas na realização de atividades diárias. Uma outra possibilidade da reabilitação é a compensação, na qual outras funções cognitivas preservadas são treinadas para minimizar o efeito de comprometimentos cognitivos. Há, também, a possibilidade de se utilizar recursos no ambiente para diminuir o prejuízo funcional causado por um déficit neuropsicológico. O objetivo final da reabilitação é aprimorar a cognição e o repertório do paciente, por meio de tarefas e exercícios, para aperfeiçoar a autonomia do paciente no seu dia a dia.

A pergunta que podemos nos fazer é: “De que forma a reabilitação pode auxiliar nas disfunções executivas?”. Para que isso seja possível, o processo de reabilitação neuropsicológica deve abarcar 3 passos: o planejamento, a implementação da reabilitação, e a avaliação do efeito da reabilitação.

O planejamento é necessário para que as estratégias aplicadas sejam personalizadas para a necessidade de cada caso. Para isso, deve-se reconhecer as capacidades afetadas, traçar o perfil neuropsicológico do paciente, determinar a abrangência do déficit cognitivo, verificar o prejuízo que o indivíduo apresenta no dia a dia, e identificar a etiologia do comprometimento. Neste ponto, o uso de entrevistas e de testes neuropsicológicos são essenciais. Inicialmente, pode ser desafiador fazer o mapeamento de todos os prejuízos executivos, portanto, deve-se prezar pela avaliação dos aspectos ecológicos, visto que nem sempre é possível traçar as dificuldades associadas com FE em testes neuropsicológicos. As informações coletadas na avaliação serão usadas para o planejamento da intervenção, o que significa que não há um protocolo único para a reabilitação. Apesar disso, há princípios que podem orientar essa e as próximas etapas da reabilitação.

O passo seguinte é a implementação da reabilitação, e deve envolver o estabelecimento dos objetivos e das estratégias a serem utilizadas, tendo em vista os déficits identificados. Por exemplo, pode-se concluir que um paciente com comportamento impulsivo se beneficiaria da aprendizagem da técnica “pare e pense”, na qual se objetiva traçar estratégias cognitivas para inibir pensamentos ou reações automáticas. Da mesma forma, este paciente pode aprender que, para conter uma expressão de comportamentos inadequados, ele pode observar a reação das outras pessoas e pedir feedback, por exemplo, questionando “Estou sendo incoveniente?”.

Além do aprendizado de novos repertórios, a intervenção também envolve o uso de ferramentas externas. Por exemplo, um paciente com dificuldades na organização diária e na gestão de tempo pode se beneficiar de recursos como listas de verificação, diários, agendas e alarmes. Para indivíduos com problemas para se planejar e resolver problemas, escrever o que precisa ser realizado e decompor os passos de uma tarefa pode auxiliar na estruturação da rotina e das atividades diárias.

Há também estratégias de intervenção para crianças e adolescentes com disfunção executiva. Por exemplo, para aqueles que apresentam dificuldade de monitoramento do tempo, o planejamento de horários por meio de recursos visuais e verbais, como pistas em imagem, cores diferentes, relógios ou cronômetros, pode permitir uma melhor compreensão temporal. Tendo em vista que o tempo é abstrato, estimular a mensuração da duração de atividades cotidianas também pode ser um ótimo recurso para os pequenos. Para aqueles cuja queixa está relacionada à autorregulação emocional, o ensino da identificação e expressão de emoções, aliado à utilização de histórias narrativas que abordem o tema, pode vir como auxiliar para tais dificuldades.

Nos exemplos de intervenções supracitados, nota-se a multiplicidade de intervenções possíveis de se aplicar, que vão variar a depender dos déficits cognitivos e dos prejuízos funcionais dos pacientes. Além da utilização de ferramentas externas e da aquisição de repertório, a etapa de implementação também requer a psicoeducação do paciente e de pessoas com as quais ele convive, de tal forma que eles entendam a natureza das dificuldades do indivíduo, além de possíveis estratégias que podem ser aplicadas por eles próprios.

A última etapa se trata da avaliação do efeito da reabilitação, na qual deve-se realizar a reavaliação das funções comprometidas, bem como do impacto atual nas atividades de vida diária. Por fim, define-se novas estratégias, estabelece-se um processo de manutenção, ou decide-se pela alta do paciente.

Os exemplos citados, assim como os recursos disponíveis atualmente, estão longe de esgotar todas as possibilidades da reabilitação neuropsicológica. Pelo contrário, constantemente novas pesquisas e novos protocolos são lançados com o objetivo de tornar esse processo mais eficiente. Além disso, o uso de novas tecnologias, que já tem se proliferado nos últimos anos, certamente ganhará mais espaço nas próximas décadas no contexto clínico, conforme novas evidências forem sendo somadas. Assim, é possível antecipar um aumento no uso de celulares, computadores, tablets, videogames, realidade virtual, neurofeedback, estimulação transcraniana por corrente contínua e outras tecnologias nas clínicas de reabilitação neuropsicológica.


O potencial é certamente grande, e a boa atuação clínica na reabilitação dependerá cada vez mais de atualização constante a respeito dos novos métodos disponíveis.

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REFERÊNCIAS

Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual review of psychology, 64, 135-168.

da Fontoura, D. R., Tisser, L., Bueno, O., Bolognani, S., & Frison, T. (2020). Teoria e prática na reabilitação neuropsicológica. Vetor Editora.

Malloy-Diniz, L. F., Mattos, P., Abreu, N., & Fuentes, D. (2015). Neuropsicologia: aplicações clínicas. Artmed Editora.